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Estudantes, moradores e instituições divulgam nota de repúdio contra a violência armada nas favelas

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Publicado em:18/04/2017
Estudantes, moradores e instituições divulgam nota de repúdio contra a violência armada nas favelasNós, moradores da favela, profissionais da educação e da saúde, estudantes, igrejas, trabalhadores (as), organizações, instituições e movimentos de Manguinhos, Jacarezinho, Maré, Rocinha e Cerro-Corá manifestamos por meio desta nota nossa profunda preocupação e indignação com os seguidos confrontos armados e ações violentas que resultaram em mortes, lesões por armas de fogo e agressões físicas no território. As ações efetuadas por agentes de segurança pública e grupos armados na região este ano vem acontecendo quase todos os dias e em diferentes horários de circulação intensa de moradores e de funcionamento de equipamentos públicos. São ações que têm vitimado, de forma grave, principalmente os trabalhadores e trabalhadoras que moram na favela, como também profissionais que não moram e os próprios agentes de segurança pública- os servidores públicos que mais matam e mais morrem no mundo.
 
O uso repetido de armas de fogo e os constantes disparos efetuados por agentes de segurança pública em localidades próximas a áreas residenciais, praças, escolas, Fiocruz, bibliotecas parques, unidades de saúde e áreas de lazer em nossos territórios têm representado um risco elevado à integridade física de cidadãos e cidadãs, profissionais e moradores. Significam o impedimento ao direito à educação pública, à cultura pública e à saúde pública de qualidade, como também tem colocado em risco direto o direito à vida e o próprio funcionamento dos equipamentos públicos para a população. Os tiroteios e ações com uso de arma de fogo acontecem nos períodos da manhã, da tarde e da noite, expondo todas as pessoas que circulam, moram e trabalham nas favelas. Muitas atividades culturais das favelas também acabam sendo proibidas. Desde a crise criada no governo do Estado do Rio de Janeiro essa situação vem se tornando ainda mais grave e intensa em nossas favelas e em outras diversas favelas do estado. Ações como as que resultaram nas últimas mortes da estudante de 13 anos Maria Eduarda Alves da Conceição, baleada quando estava em sua escola em Acari, e do senhor Evangelista Cordeiro da Silva, morador de 71 anos que trabalhava na comunidade do Mandela 2 quando foi baleado, cresceram assustadoramente na maioria das favelas e periferias do estado. Pessoas em suas casas, em escolas, unidades de saúde, espaços culturais e demais locais de trabalho do território têm vivido diariamente repetidos momentos de terror e precisam se refugiar aonde fora possível para não serem baleados
 
Em tempos de banalização da violência, os valores educacionais ficam cada vez menos importantes na rotina das escolas, até porque o importante passa a ser a sobrevivência. No Rio de Janeiro estamos vivendo um tempo em que a violência armada não tem dia, não tem hora e nem lugar para começar, mas tem um objetivo: ceifar vidas. Se não é do modo convencional, matando alguém com um tiro disparado por uma arma de fogo, é do modo “alternativo”, tirando o direito de ir e vir dos cidadãos, tirando o direito de voz daqueles que querem pedir paz e, o mais grave de tudo, tirando o direito à educação da geração que representa o futuro. Só no período entre fevereiro e abril de 2017 foram mais de cinco dias sem termos a dignidade de ter “aula normal” nas escolas do Complexo de Manguinhos. E ai nós perguntamos: como será até dezembro?  Estamos em abril ainda. Essas crianças e jovens terão chance digna no mundo sem ter tido acesso ao conhecimento, sem ter tido acesso à convivência, sem ter seus direitos minimamente assegurados?…..São muitas perguntas e nenhuma resposta. Mas é comum ouvirmos que sempre foi assim. É comum ouvirmos que o morador da favela já está acostumado. Só que não é verdade. Ninguém se acostuma à violência. O ser humano se “acostumou” com a sobrevivência. Esse é o instinto que faz com que cada ser humano suporte a violência desenfreada que assola o Rio de Janeiro, fruto do “ajuste” da política pública que teve que ser adotado mediante a escassez de recursos do Estado. O problema é que esse “ajuste” tem um peso sobre a vida do carioca que não está sendo suportado no dia-a-dia. Esse “ajuste” está matando a população carioca por imposição de uma violência moral e social que culmina com a violência armada. Nunca houve uma complexidade tão grande entre as formas de violência exercidas no Estado do Rio de Janeiro, embora a mais visível e perceptível seja a violência armada. E tudo começa com a falta de educação e termina com a interrupção do direito à educação. Quanto menos os jovens permanecem na escola, mais violentos eles se tornam e mais poder eles terão para impedir que outros jovens tenham esse acesso. É um ciclo alimentado pelas diferentes formas de violência que vivemos todos os dias, mas que pode ter o seu sentido invertido quando a alimentação deixar de ser a violência e passar a ser a educação.     
 
Os estudantes crianças, jovens e adultos das escolas públicas do Brasil, assim como os cidadãos usuários do SUS, em sua maioria expressiva possuem baixa renda, são negros, negras e residem nas periferias do país. Lutar pela garantia do direito à educação, a cultura e à saúde pública de qualidade para nós significa enfrentar e questionar o marcante racismo, a desigualdade social e a violência contra os trabalhadores mais pobres com baixa escolaridade formal e suas famílias. Um jovem negro no Brasil tem duas vezes e meia chances a mais de ser assassinado que um branco. Não ter o ensino fundamental completo aumenta em quase 3,5 vezes a  chance de ser assassinado (SIM/SVS/MS). Além disso, também cabe registrar que temos a violência estrutural de vivermos ainda no sétimo país economicamente mais desigual do mundo. De forma ampliada, constatamos que a violência no Brasil atualmente “vitima mais pessoas que o câncer, a Aids, as doenças respiratórias, metabólicas e infecciosas” e se constitui na(…) primeira causa de óbito da população de 5 a 49 anos de idade”(Njaine, 2013, p. 15).  A violência por armas de fogo contribui muito para  as mortes, além de adoecer familiares, amigos e pessoas próximas que tem sua vida marcada de várias formas por esse grave evento. A lógica da “guerra as drogas” nas periferias das cidades do país tem se mostrado ineficaz em reduzir significativamente a violência, e pior tem sido também geradora de uma quantidade inaceitável de homicídios, lesões e adoecimento nesses territórios. Na prática essa lógica acaba se tornando uma “guerra aos pobres”.
 
Reivindicamos a realização de reunião direta com o Governador do Estado do Rio de Janeiro Luiz Fernando Pezão e com o Secretário de Segurança Pública Roberto Sá junto a representantes da Comissão Contra a Violência na Favela, Movimento Popular de Favelas e do Conselho Comunitário de Manguinhos sobre a situação gravíssima de violência em nosso território. Também reivindicamos a realização de Audiência Pública para enfrentar a situação gravíssima que afeta as favelas do Estado. Para garantir segurança pública às condições de vida e trabalho das pessoas precisamos de maior apoio e investimento em educação pública, em saneamento e moradia dignos, em equipamentos públicos de saúde, em transporte público, em ações de segurança pública que valorizem a vida e os direitos humanos, em políticas sociais para a juventude e em áreas públicas de lazer. Os trabalhadores(as), moradores(as) de favelas querem a valorização da vida nesse território, mas só haverá paz com garantia de direitos e só existirá segurança com respeito aos direitos humanos para todos.   
 
Subscrevem o referido documento até o momento:
 
Associação de Moradores da comunidade do Samora Machel- Mandela 2 ;
 
Associação de Moradores da comunidade Nelson Mandela- Mandela 1;
 
Associação de Moradores da comunidade Parque Oswaldo Cruz- Amorim;
 
Ballet Manguinhos;
 
Biblioteca Parque de Manguinhos;
 
Sarau Manguinhos;
 
Ceasm;
 
Fórum de Educação e Cultura da Maré;
 
Fórum de Saúde do Rio de Janeiro;
 
Comissão Contra a Violência na Favela;
 
Conselho Comunitário de Manguinhos;
 
Levante Popular da Juventude;
 
Movimento Popular de Favelas;
 
Pastoral da Criança de Manguinhos;
 
Pastoral da Criança da Vila Cruzeiro; 
 
Igreja Santa Bernadete;
 
Pastoral da Criança da Maré;
 
Organização Mulheres de Atitude;
 
Projeto Marias: como posso ajudar meu filho especial;
 
Capela São Daniel Profeta;
 
Coletivo de Estudantes da EJA Manguinhos(Epsjv/CCAP);
 
Coletivo Recriando Manguinhos;
 
Conselho Comunitário em Defesa dos Idosos e do Abrigo Cristo Redentor;
 
Criança Pequena em Foco;
 
Conselho Comunitário da Rocinha;
 
Asfoc/SN- Sindicato da Fiocruz;
 
Rede CCAP;
 
Experimentalismo Brabo;
 
Jornal Fala Manguinhos;
 
Cooperação Social da presidência da Fiocruz;
 
Epsjv/Fiocruz;
 
Núcleo de Ações Territorializadas do Museu da Vida/Fiocruz;
 
Icict/Fiocruz.
 
A carta aberta foi publicada no site Fala, Manguinhos.

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1 comentários
VERA LUCIA LUIZA
19/04/2017 15:15
Colegas Ouvindo hoje a assembléia, preferi não ser mais uma ali a ocupar a palavra, até porque concordo com muito do que foi dito. Mas gostaria de registar algumas reflexões. Uma primeira sugestão é a criação de um fórum virtual na página da ENSP para compartilharmos nossas ideias e pensamentos sobre a atual situação. Uma outra sugestão é que deve haver pessoas de referencia na ENSP para apoio oficial à decisões urgentes. Uma situação adicional às que foram mencionadas na assembléia é sobre a manutenção ou não de eventos, sobretudo os que envolvem convidados externos - alguns que chegaram por emissão de passagens e diárias. Talvez pudesse haver duas pessoas para cada tema e divulgados seus contatos de ramal, e-mail e celular. As situações urgentes se impõem e precisamos tomar deisões que costumam ter implicações em cascata, incluisive com apoio institucional (para comunicar convidados externos, por exempo) Minhas duas ponderações neste momento: Somos todos Manguinhos - é um fato e e importante de reconhecer. É importante e diferente de pensar nos Fiocruz e elas, a comunidade. Mas vale pensar que a situação da comunidade é indiscutivelmente pior. Nós, com mais ou menos riscos, vamos para casa no fim do dia - isto é bastante diferente de passar 24 horas e, sobretudo, dormir, neste ambiente. E tenho que concordar aqui com a fala da Patrícia Tavares - somos uma instituição federal reconhecida nacional e internacionalmente - e isto nos coloca responsabilidades e possibilidades diferenciadas. Atenção psico-social - o adoecimento das pessoas que circulam pela Fiocruz é um fato real e facilmente visível. Atinge diferente cada um e as pessoas que circulam na Fiocruz tem possibilidades diferentes de obter cuidado. O plano de cuidado mencionado na assembléia deve contemplar diferenciadamente grupos vulneráveis como os alunos e os terceirizados.