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Novas práticas de conhecimento devem ser legitimadas

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Publicado em:10/10/2013
*Rafael Bolsoni Bastos 

Novas práticas de conhecimento devem ser legitimadasSob a mediação do professor Jairo da Matta, pesquisador do Grupo de Direitos Humanos e Saúde Helena Besserman (Dihs/ENSP/Fiocruz), a segunda mesa do primeiro dia (8/10) do VIII Seminário Internacional Direito e Saúde e XII Seminário Nacional Direito e Saúde continuou a discussão da produção de conhecimento na academia e os saberes práticos que respondem às demandas dos movimentos sociais. Na abertura do debate sobre o Conhecimento emancipatório na luta pelos direitos humanos, Paulo Amarante, coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Laps/ENSP/Fiocruz) e presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), tratou da experiência da luta antimanicomial.
 
Com base nas ideias reformistas desenvolvidas pelo psiquiatra e militante italiano Franco Basaglia, Amarante adotou um discurso de crítica à ciência e à forma pela qual ela produz conhecimento sobre a "loucura". A construção de uma verdade científica, legítima e hegemônica foi posta em xeque. “Muito do que a psiquiatria diz ser efeito da doença é resultado do isolamento. Produz-se a segregação”, disse o pesquisador do Laps, ao criticar a internação. 
 
Após citar o dito “de perto, ninguém é normal”, ele afirmou que um dos objetivos de quem defende a reforma psiquiátrica deve ser a construção de um novo lugar social para a loucura e a doença mental. “Deve-se romper com a ideia da medicalização e patologização. Uma saída é questionar a própria denominação ‘transtorno mental’ e reconhecer a diversidade do outro em várias perspectivas: do trabalho, da cultura, da saúde”, disse o pesquisador. 
 
Em seguida, retomou a análise apresentada por Daniel Bonilla, durante primeira mesa, ao questionar a influência da psiquiatria norte-americana sobre o comportamento tanto de quem vive no Hemisfério Norte como dos habitantes da fatia menos privilegiada do globo. “Com a mesma naturalidade com que vestimos jeans e mascamos chiclete, estamos recebendo o rótulo de ‘depressivo’ e tomando Prozac. Isso tem de acabar”, reiterou Amarante. 

A favela também tem potência
 
A segunda exposição da tarde ficou por conta de Jaílson de Souza e Silva, coordenador do Observatório das Favelas. Autodenominado “favelado intelectual”, Jaílson propôs uma reflexão sobre o paradigma de favela usualmente utilizado e pensado não só pelo senso comum, mas também por intelectuais mais progressistas. “A favela é sempre vista a partir da ótica da ausência, da carência, da precariedade. É fundamental reconceituar essa ideia. Também temos potência”, afirmou. 
 
Jaílson justificou esse posicionamento equivocado: para ele, a noção de favelado “carente” é fruto do paradigma sociocêntrico. "A partir do meu ponto de referência, construo um conjunto de valores para o outro", explicou. Assim, acredita ele, pode-se pensar que todo projeto social executado na favela é para evitar que o jovem entre no tráfico. “‘Se ele não for salvo, vai se tornar um criminoso’, é o que afirma o discurso corrente. Não se fala disso em relação aos jovens de outros lugares.”

Novas práticas de conhecimento devem ser legitimadas

Ainda sobre esse assunto, brincou o coordenador do Observatório: “Certa vez, um jornalista perguntou a um amigo, que coordena outro projeto, se ele perdera algum garoto para o tráfico. Ele respondeu: 'Para o tráfico, não, mas já perdi para o Bob’s, para o McDonald’s, para as Casas Bahia'.” Por fim, destacou dois desafios contemporâneos a serem enfrentados: a luta pela igualdade – do ponto de vista da dignidade humana –, sob uma perspectiva mais ampla (acesso à cultura, saúde, informação e internet), e a garantia do direito à diferença. 
 
O primeiro dia de debate foi encerrado com a palestra de Gersem José dos Santos Luciano, ou simplesmente Gersem Baniwa – em referência ao povo do qual faz parte. Professor da Universidade Federal do Amazonas e diretor do Centro Indígena de Estudos e Pesquisas (Cinep), Gersem afirmou que, para os índios, a ideia de direitos humanos é nova. “Até a Constituição de 1988, não tínhamos certeza de que éramos humanos. Mas há muita gente que continua duvidando, inclusive intelectuais”, queixou-se.
 
Para ele, a academia não leva em conta a visão de mundo nativa quando tentar criar políticas públicas de saúde para essa população. “Há um distanciamento cósmico: não se trata de compreender nossos aspectos culturais apenas, mas de entender que nem todos os direitos humanos universais são interessantes para os indígenas”. A saúde, por exemplo, é vista por eles como uma “questão de espírito”. “Não há como igualar essas duas racionalidades distintas. Então, o mínimo que se pode esperar é respeito”, finalizou. Respeito e reconhecimento: essas foram as duas palavras que marcaram o primeiro dia do evento.
 
* Rafael Bolsoni Bastos é jornalista do Dihs/ENSP.

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