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Tabaco: Cetab abre novas possibilidades de estudos e parcerias

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Publicado em:28/03/2013

A inauguração do Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde (Cetab/ENSP) abre novas possibilidades de pesquisa, ensino e de parcerias para o controle do tabaco, que é responsável por 36 milhões de mortes por ano no mundo. Apesar dos números alarmantes, a indústria do tabaco continua a atuar, utilizando novas e velhas estratégias para vender seu produto.  

 

De acordo com a coordenadora do Cetab, Vera da Costa e Silva, muito se avançou no país em relação ao controle do tabaco. Segundo ela, “com a queda do consumo de tabaco no Brasil, um novo padrão da epidemia tem se delineado, mostrando disparidades de gênero, socioculturais e geográficas no país”. Os homens continuam fumando mais que as mulheres, mas a diferença de consumo entre os dois sexos vem se reduzindo gradativamente, alerta a pesquisadora. Em entrevista concedida ao Informe ENSP, Vera fala sobre o perfil da população brasileira fumante, as estratégias utilizadas pela indústria do fumo e as atividades a serem desenvolvidas pelo novo centro de estudos da ENSP.

 

Informe ENSP: Qual é o perfil da população vulnerável ao tabaco?

 

Tabaco: Cetab abre novas possibilidades de estudos e parceriasVera da Costa e Silva: Com a queda do consumo de tabaco no Brasil, um novo padrão da epidemia tem se delineado, mostrando disparidades de gênero, socioculturais e geográficas no país. Atualmente, o tabagismo se concentra entre os pobres, grupos de baixa escolaridade e na zona rural. Os homens continuam fumando mais que as mulheres, mas a diferença de consumo entre os dois sexos vem se reduzindo gradativamente. Isso nos faz refletir sobre como realinhar as campanhas públicas para que atinjam prioritariamente esses grupos. Na outra ponta da cadeia produtiva, merece destaque a vulnerabilidade dos plantadores de fumo. É necessário entender que essa população também tem padrões próprios de gênero e escolaridade. Para isso, o Cetab tem buscado financiamento para projetos de pesquisa que busquem responder a estas questões: o estudo dos fatores que impactam sobre o consumo da população de baixo nível socioeconômico e a identificação de sua exposição à publicidade indireta ou subliminar; e o entendimento de como as mulheres cujas famílias vivem às custas da fumicultura identificam os problemas relacionados a essa agricultura e quais são suas demandas sociais e de saúde.

 

Informe ENSP: O que a indústria do tabaco tem feito para aumentar o número de fumantes no país? Quais são as novas estratégias?

 

Vera da Costa e Silva: A indústria trabalha com os grandes princípios de marketing que estimulam o consumo: propaganda, preço, praça (no sentido de distribuição) e produto. Tudo isso é regado a muita pesquisa de mercado para atingir o grupo específico com a marca certa e caracterizar essa marca para constituir uma identidade com o produto. Em que pese o fato de a propaganda de produtos de tabaco ser proibida no Brasil desde 2000, várias estratégias foram usadas para transpor a proibição. Uma delas é o foco nos pontos de venda, que se transformaram em “outdoors hollywoodianos” de estímulo ao consumo. Outra é o consumo de cigarros em filmes e peças de teatro, que, apesar de aparentemente inocente, ou mesmo de ser associado, com alguma justificativa, a um personagem que faz uso do produto, banaliza o uso e propagandeia sua aceitação social. Além disso, é necessário destacar a adaptação do produto ao consumidor e sua proposta. Por exemplo: colorir maços, deixando-os parecidos com caixas de doces ou chocolates, estimula a iniciação. Manipular o sabor do produto por meio de sabores, como morango, chocolate ou outros, também o faz. Essas e muitas outras ações fazem parte das estratégias atuais da indústria. Todas elas são atreladas a fortes forças de pressão da indústria nos poderes executivo, legislativo e judiciário para diluir ou impedir leis de controle, adiar decisões que favoreçam a saúde pública e oficializar facilidades para auferir mais lucros.

 

Informe ENSP: Se essas são antigas estratégias repaginadas, que ações têm sido pensadas para evitar o tabagismo?

 

Vera da Costa e Silva: No momento, o Brasil está numa encruzilhada. Somos um país que avançou muito no controle do tabagismo e que já mostra o impacto dessas ações nas suas estatísticas de mortalidade. Isso é algo memorável. No entanto, precisamos delinear estratégias inovadoras para desafios que estão surgindo. Tais desafios despontam como resposta da indústria fumageira a leis propostas ou existentes que avançam na regulamentação do produto para desestimular seu consumo e conferir proteção aos não fumantes. Todas as leis ainda precisam ser fiscalizadas, monitoradas e revisadas quanto às lacunas. Isso é importante, porque continuamos a lidar com falsos argumentos de que, com as políticas existentes no país, os plantadores de fumo perderão o emprego. Também se diz que o contrabando tomará conta do país se continuarmos refinando uma política de impostos e preços com objetivos da saúde pública. Acabamos nos tornando reféns de tais argumentos, uma vez que focamos as políticas nessa direção, quase como o ato de enxugar gelo. As respostas para isso estão no caminho, no tempo, no futuro. No entanto, só criamos obstáculos quando tentamos responder aos argumentos da indústria com tentativas de abordá-los sem entender como fazê-lo de forma custo-efetiva e quais, de fato, serão nossos reais desafios, e não os fabricados pela indústria. Pesquisa, ensino e cooperação técnica certamente gerarão dados e informações adicionais às já existentes. Também permitirão compartilhamento e disseminação de informação, com o fortalecimento e subsídio de ações de controle do tabagismo no Brasil que vem sendo implementadas de forma articulada pelo Inca, Ministério da Saúde e Anvisa e vigiadas pela sociedade civil. 

 

Informe ENSP: Como evoluiu a relação entre a imprensa e a indústria do tabaco?

 

Vera da Costa e Silva: Sem a imprensa, os programas que pretendem estimular a população a repensar seus estilos de vida  ou seja, informada para fazer sua crítica a regulações ou outras medidas  estão fadados ao anonimato. A imprensa é parceira e verdadeira na forma de lidar com os fatos na maior parte das vezes, no que tange à saúde pública. É quase uma parceria perfeita, porque grandes jornalistas e jornais sérios, na imprensa escrita ou falada, são comprometidos com as demandas coletivas. Jornalistas que são comprados pelas grandes indústrias, por meio de facilidades ou prêmios, a exemplo de juízes e até pesquisadores que eventualmente seguem esse caminho desconcertante, não representam a maioria. São, em vez disso, uma minoria que distorce a imagem do país fantástico que é o Brasil. A imprensa, quando bem informada, faz seu papel. Nesse sentido, a imprensa brasileira tem favorecido muito o trabalho diuturno dos ativistas nesta área. Tiro o chapéu para quem tem compromisso com o nosso país e, sobretudo, a verdade.

 

Informe ENSP: Quais são os principais indicadores disponíveis hoje em relação ao tabagismo e sua relação com as doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs)? As taxas de dependentes do cigarro continuam a cair no Brasil?

 

Vera da Costa e Silva: Sim. Segundo o Vigitel, um inquérito telefônico realizado nas capitais brasileiras, o consumo de cigarros tem sofrido uma queda constante no país. As estatísticas de mortalidade mostram que o câncer de pulmão, um câncer quase que exclusivamente causado pelo consumo de produtos do tabaco, já está respondendo a essa baixa. As doenças cardiovasculares também. Mas o impacto desse fator de risco continua sendo importante nas estatísticas de morbidade e mortalidade. Ainda temos muito que fazer. E, como já foi amplamente divulgado, pretendemos trabalhar além do consumo do tabaco. Queremos entrar pelas diversas áreas relacionadas à prevenção das DCNTs.

 

Informe ENSP: Além do viés do ensino e da pesquisa, o Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde (Cetab) pretende atuar como um centro fiscalizador. De que forma isso acontecerá?

 

Vera da Costa e Silva: Pretendemos criar vários observatórios dos movimentos das indústrias, que, de uma forma geral, deixam a ética para trás, tanto as de tabaco como as de álcool e alimentos industrializados não saudáveis. Pretendemos encaminhar pesquisas cujos resultados saltem aos olhos dos formadores de opinião e da população em geral sobre o que pode ser feito. Pretendemos escutar a sociedade civil sobre os seus anseios quanto à necessidade de informação para mover o ativismo em prol da população, especialmente a de baixo nível socioeconômico.

 

Informe ENSP: Como o Cetab pretende atuar ou se posicionar na rede de governança da Política Nacional do Controle do Tabaco?

 

Vera da Costa e Silva: Não temos mandato de implementação de políticas, o que nos distingue de forma absoluta dos principais órgãos implementadores das políticas de controle do tabagismo no Brasil. No entanto, somos um escoadouro das necessidades desses órgãos no que tange às nossas atividades-fim: ensino, pesquisa e cooperação técnica. Nesse sentido, somos parceiros de instituições e grupos que formulam e implementam as políticas de controle do tabagismo no país e, também, daquelas responsáveis pelas políticas de prevenção das DCNTs. Como fazemos isso? Realizamos uma reunião para tentar identificar quais são as prioridades de pesquisa a serem abordadas pelo Cetab. Organizamos encontros com parceiros para discutir quais atividades de ensino deveriam ser priorizadas e temos tido sucesso absoluto nessas parcerias. Montamos uma disciplina de fatores de risco de DCNTs e a cada ano temos maior demanda por vagas. Nosso curso de inverno sobre tabagismo é uma atividade que envolve muitos parceiros. O Inca, a Anvisa, a SVS/MS e a Opas/OMS são parceiros incondicionais. Esses são alguns exemplos de como abordamos essa proposta.


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